As duas últimas décadas viram multiplicar-se em Portugal o número de universidades. As universidades públicas, em particular, têm visto o seu nascimento dar lugar a um considerável desenvolvimento local, em cidades como Braga, Aveiro, Vila Real e Évora. Além do apoio próximo às actividades económicas locais, estas universidades permitiram um grande aumento do número de estudantes no ensino superior. Mas o objectivo das universidades públicas no sistema nacional de investigação científica assenta num equívoco: a ideia de que é possível ao mesmo tempo atingir a mais alta projecção internacional e garantir uma "qualidade" uniforme entre universidades. Perseguindo esse equívoco, tem-se vindo a financiar as universidades públicas de acordo com um rácio alunos/docentes, ignorando de facto o desempenho da universidade no campo da investigação científica. (...)
Portugal (...) tem um total de 23 universidades, das quais 15 públicas. A linha de pensamento mais corrente entre nós procura fazer crer que estas 15 universidades públicas têm todas como objectivo competir com as melhores do mundo pela sua investigação de nível internacional. Esta ideia ignora a realidade das universidades portuguesas e a realidade da investigação internacional.
Consideremos alguns dos componentes necessários para colocar e manter uma universidade no topo do "ranking" internacional. Primeiro, com base na informação disponível das universidades de topo, são exigidos cerca de 250 mil a 500 mil euros/ano por docente para despesas de investigação. Segundo, os custos associados a bibliotecas para sustentar uma investigação científica de qualidade situam-se em cerca de 500 euros por aluno. Terceiro, os docentes leccionam, por semestre, apenas três a seis horas por semana, o que significa mais docentes para um mesmo número de alunos. O tempo restante é dedicado à investigação. Tudo isto arrasta custos bastante elevados. Quem paga? Nos EUA, as universidades de investigação públicas obtêm apenas 45 por cento das suas receitas de fundos governamentais. Uns 25 por cento resultam de vendas de serviços, 20 por cento de propinas e aproximadamente 10 por cento de mecenato. Em Portugal, 92 por cento das receitas têm origem no Estado. As universidades portuguesas dependem quase exclusivamente do governo, podendo ignorar o mercado (a quem não vendem produtos ou serviços), ser distraídas com os estudantes (que pagam propinas simbólicas) e passar ao lado da sociedade civil (que não a patrocina). Naturalmente, este comportamento tem consequências. (...)
Reexamine-se então o papel das universidades públicas e do Estado português no seu financiamento. Não se poderá ignorar dois factos basilares. Sem um aumento substancial do financiamento privado (pelas empresas, pelos alunos e pela sociedade em geral) não haverá diferença nem qualidade. Mais importante, depois de garantido que o Estado, por si só, não validará todo e qualquer projecto universitário, deixemos as universidades procurar a sua vocação, marcando a sua diferença no contínuo entre ensino e investigação. O que resultará não será menor qualidade das universidades, mas universidades com qualidades diferentes. Se no fim deste processo conseguirmos três universidades (três!) de investigação de renome mundial, então ganhámos a batalha da investigação.
Excertos de um artigo de opinião de Paulo Ferreira, publicado no Público de 12/04/2004. A ler na íntegra.