Ontem estava a ver o Telejornal, quando reparo que, naquelas legendas que passam na parte inferior do ecrã, se anunciava que os estudantes de tecnologias de saúde alertavam para a necessidade de restringir a abertura de novos cursos, pois o mercado de trabalho dá sinais de começar a ficar com excesso de profissionais, além de que essa expansão põe em causa a qualidade da formação. Infelizmente a notícia não passou sob a forma de reportagem no noticiário, talvez pelas circunstâncias especiais que temos vivido desde a passada 5ª feira. Torna-se, pois, difícil comentar o assunto e a opinião dos colegas de saúde. O certo é que quando li o tal rodapé pensei "Que inveja. Estes tipos da Medicina e afins é que sabem zelar pelos seus interesses, e conseguem unir-se em torno desse objectivo." A este pensamento sucedeu-se a confusão mental: excesso de profissionais na área de saúde?!
Não vou aqui discutir os argumentos e reivindicações destes meus colegas. Vou é lamentar que não haja essa preocupação por parte dos estudantes e profissionais das ciências sociais e humanas/letras. Trata-se de uma área onde a oferta de profissionais é excessiva. Porquê?
Desde logo porque é fácil cursar letras. Admitamos. É fácil. Nem é preciso ir às aulas para poder passar. Nem que seja com um 10. Os professores limitam-se a dar aulas, não concebem objectivos para a sua disciplina e para o curso em geral. Não se exige espírito crítico. Priviligia-se a quantidade de conhecimentos adquiridos, em vez de se promoverem competências várias. Priviligia-se o reproduzir e não o produzir.
Tudo estaria bem se o mercado filtrasse entre os bons e os maus alunos que saem destas faculdades. Contudo, nem sempre os melhores conseguem emprego com maior facilidade. Saídos da faculdade, vale mais a rede de conhecimentos pessoais e familiares do que o certificado de habilitações.
As universidades e institutos privados também muito contribuiram para a actual situação, já que estes cursos não exigem laboratórios nem grandes investimentos com instalações. Há uns anos a oferta aumentou significativamente. No entanto, a Universidade Católica, em Lisboa, não abriu este ano o curso de Filosofia por falta de candidatos. A Universidade Portucalense, no Porto, não teve candidatos para o curso de História, apressando-se a publicitar Doutoramentos de três anos naquela área e a abrir uma licenciatura em Ciência da Informação (não confundir com Jornalismo...). Nas Universidades públicas tem-se também assistido a uma diminuição da procura destes cursos.
Por outro lado, as faculdades de letras têm funcionado como escolas superiores de educação, já que os seus alunos não têm grandes alternativas para além do ensino. E todos conhecemos a situação profissional de muitos professores...
Aqui há uns dias critiquei a posição de um jornalista, quando este afirmou que o país não precisava de um ministério da Cultura. Mas a verdade é muitos são os que em Portugal pensam da mesma maneira. E um país que promove a mediocridade não necessita de pessoas que saibam pensar.
Custa-me a acreditar que um país possa sobreviver sem bons licenciados em filosofia, sem bons geógrafos ou sem bons historiadores. Custa-me a acreditar que um país consiga avançar sem bons conhecedores da nossa língua e literatura (e que evitem o que se tem passado com os manuais do ensino secundário...).
Julgo que toda a oferta de cursos tem que ser repensada. Ministério, instituições (públicas e privadas) e outras entidas interessadas deviam promover um debate profundo acerca desta questão. E depois haveria que tomar medidas. Mesmo que isso passasse pelo encerramento de cursos. Mas sobretudo há que aumentar a exigência dos cursos, de forma a que possamos ter bons profissionais.